IA nos tribunais: Como algoritmos já ajudam decisões judiciais no mundo

Em uma sala de audiência no estado de Wisconsin, nos Estados Unidos, o juiz consulta o sistema COMPAS, um algoritmo de avaliação de risco que sugere a probabilidade de reincidência de um réu. Na Estônia, juízes automatizados resolvem pequenos litígios civis por meio de uma IA treinada para interpretar leis. Na China, tribunais digitais escaneiam expressões faciais dos acusados em tempo real para medir sinceridade.

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Cristiano Rodrigues

5/7/20254 min read

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IA nos tribunais: Como algoritmos já ajudam decisões judiciais no mundo

Tecnologia, ética e jurisprudência: onde estamos e para onde vamos

Por Cristiano Rodrigues - REC Inteligência Artificial | 4 de Maio de 2025

Em uma sala de audiência no estado de Wisconsin, nos Estados Unidos, o juiz consulta o sistema COMPAS, um algoritmo de avaliação de risco que sugere a probabilidade de reincidência de um réu. Na Estônia, juízes automatizados resolvem pequenos litígios civis por meio de uma IA treinada para interpretar leis. Na China, tribunais digitais escaneiam expressões faciais dos acusados em tempo real para medir sinceridade.

A inteligência artificial já está dentro dos tribunais. E em muitos casos, ela está decidindo.

O uso de algoritmos na justiça — que por décadas parecia inimaginável — está se tornando uma realidade cada vez mais comum. O que antes era reservado à ficção científica hoje representa um novo paradigma no Judiciário: mais rápido, mais eficiente, mais... técnico. Mas será que é também mais justo?

Algoritmos no Judiciário: onde eles já atuam?

Diversos países têm adotado soluções de inteligência artificial para acelerar processos judiciais, identificar padrões e apoiar decisões. A seguir, alguns dos casos mais conhecidos:

  • Estados Unidos: O sistema COMPAS (Correctional Offender Management Profiling for Alternative Sanctions) é usado para avaliar riscos em decisões de fiança, liberdade condicional e sentenças.

  • Reino Unido: Ferramentas automatizadas ajudam a classificar processos civis e analisar provas documentais.

  • China: O “tribunal inteligente” usa reconhecimento facial, análise de voz e IA para decisões rápidas e monitoramento.

  • Brasil: O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) iniciou testes com algoritmos para organizar jurisprudência, prever resultados e acelerar sentenças de massa, como execuções fiscais.

Segundo o relatório “AI and the Rule of Law”, da UNESCO, mais de 60 países já experimentam soluções automatizadas para reduzir a sobrecarga dos sistemas judiciais.

Leia também: Governança de Dados: A importância da ética na IA

Como funcionam essas IAs?

As IAs jurídicas operam com base em modelos preditivos e aprendizado supervisionado, treinados com bancos de dados jurídicos, históricos de decisões e jurisprudência. Algumas utilizam técnicas de processamento de linguagem natural (NLP) para interpretar textos legais e gerar pareceres.

Em muitos casos, a IA não decide sozinha, mas oferece recomendações automatizadas, que são analisadas pelo juiz humano.

Um exemplo: diante de um crime de roubo, o sistema pode sugerir que, com base em casos anteriores semelhantes, o réu teria direito a liberdade condicional. A decisão final, no entanto, ainda é do magistrado.

Mas nem sempre isso ocorre. Em ambientes judiciais congestionados, juízes pressionados por prazos tendem a seguir as recomendações algorítmicas — o que levanta um alerta perigoso: automatização da justiça sem responsabilização.

Benefícios evidentes: agilidade e redução de custos

Os defensores da IA nos tribunais apontam ganhos significativos:

  • Velocidade: Um algoritmo pode analisar milhares de páginas de processo em segundos.

  • Economia: Sistemas automatizados reduzem custos operacionais do Judiciário.

  • Consistência: Decisões mais padronizadas, baseadas em dados e não em opiniões individuais.

  • Acesso à justiça: Em países com escassez de juízes, a IA pode garantir atendimento mínimo a todos.

O ministro do STF Luís Roberto Barroso, em recente conferência sobre Justiça e Tecnologia, afirmou:

“A IA é inevitável no Judiciário. Cabe a nós moldá-la com inteligência ética e constitucional.”

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E os riscos? O viés está no código

Por trás do otimismo, há preocupações sérias. A maior delas é o viés algorítmico — quando a IA reproduz injustiças históricas escondidas nos dados com que foi treinada.

No caso do COMPAS, estudos demonstraram que réus negros tinham mais chances de receber classificação de “alto risco” do que brancos, mesmo com históricos semelhantes. O algoritmo, embora “neutro” em aparência, herdava preconceitos do sistema penal americano.

Além disso, muitas dessas IAs são proprietárias e opacas, o que torna impossível auditar como as decisões são tomadas. O direito de defesa, nesse contexto, fica comprometido.

A questão ética: pode uma máquina julgar?

Do ponto de vista filosófico, o uso da IA levanta questões profundas:

  • A justiça é apenas aplicação da lei ou também interpretação humana?

  • Como responsabilizar um sistema que erra uma sentença?

  • É aceitável automatizar decisões que afetam vidas humanas?

Organizações como a Human Rights Watch e a AI Now Institute defendem moratórias para o uso de IA decisória em contextos judiciais, até que haja garantias reais de transparência, auditabilidade e direitos processuais.

Casos no Brasil: como estamos lidando com isso?

O Brasil começa a trilhar esse caminho com cautela. O Victor, IA desenvolvida pelo STF, já ajuda a identificar processos com repercussão geral. O Sinapses, do CNJ, organiza e categoriza sentenças. Em São Paulo, o TJSP testa modelos para acelerar execuções fiscais.

Contudo, por enquanto, nenhuma IA no país tem poder de decisão autônoma. O CNJ reforça que todo uso da tecnologia precisa passar por validação ética e supervisão humana constante.

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O futuro próximo: o juiz algorítmico vem aí?

Não se trata de uma substituição total, mas de uma hibridização da justiça. A tendência é que as IAs assumam tarefas técnicas e repetitivas — como triagem de processos e elaboração de minutas — enquanto os juízes humanos se concentram em decisões complexas e interpretativas.

Por outro lado, cresce o debate sobre justiça digital para pequenas causas, onde a IA pode operar com mais autonomia, sobretudo em contextos de baixa litigância e regras objetivas.

A pergunta que paira é: até onde queremos ir?

Considerações finais

O avanço da inteligência artificial nos tribunais representa uma das transformações mais delicadas da era digital. Ao mesmo tempo que traz velocidade e eficiência, pode comprometer os pilares da justiça se for mal implementado.

Como sociedade, precisamos decidir não apenas o que a IA pode fazer, mas o que ela deve ou não fazer. A justiça é, antes de tudo, um ato humano. E talvez sempre deva permanecer assim — mesmo que com a ajuda de máquinas.